Socrate e eu somos grandes colegas de profissão. Ele não é só engenheiro civil, com um currículo impecável. Há mais de 25 anos trabalhando com estruturas complexas, ele é capaz de identificar a modelagem ideal para estruturas complexas como ninguém.
E para tratar deste assunto tão desafiador para todos nós, teremos uma entrevista com Socrate, que poderá esclarecer diversas questões acerca deste tema e desmistificá-lo.
Eng.ª Micheli Mohr: Socrate, por que você considera importante que a comunidade civil saiba sobre os efeitos térmicos em estruturas? É relevante abordarmos aqui diferentes modelos de análise?
Eng. Socrate Muñoz: Todas as estruturas podem ser submetidas a efeitos térmicos em consequência da ação de insolação direta, ou por causa da radiação de calor de onda longa, ou a convecção. Essas são as fontes de entrada térmica nas estruturas. As variações térmicas produzem deformações impostas nas estruturas, e no caso das estruturas hiperestáticas esforços internos também podem produzir fissuras e danos, tanto em elementos estruturais, como não estruturais. Por esta razão, é imprescindível conhecer e aplicar esses conceitos nos projetos, a fim de evitar danos que podem comprometer a estrutura.
A avaliação destes efeitos em modelos separados, de grelha + pórtico, gera uma resposta estrutural aproximada e, em algumas situações, incorreta, no que se refere à transmissão das deformações dos pavimentos para os pilares. Em modelos de grelha com a consideração de somente 3 graus de liberdade em cada nó, não é possível avaliar estes efeitos, pois as deformações no plano do pavimento não são compatibilizadas com as deformações dos demais elementos do pavimento, tornando este modelo inconsistente. Nestes casos, somente o modelo de pórtico integrado possibilita a análise do modelo.
Eng.ª Micheli Mohr: Então, existem vantagens em realizar a análise da estrutura através do modelo integrado da grelha das lajes com o pórtico?
Eng. Socrate Muñoz: Sim, as vantagens são muitas. A principal é que existe total compatibilidade de deslocamentos e equilíbrio de esforços entre os elementos que formam a estrutura, o que faz com que o modelo de análise tenha um comportamento mais próximo ao da estrutura real. Como consequência disso, em elementos inclinados, como escadas e rampas, existe compatibilização entre as forças axiais atuantes nesses elementos e os esforços internos no plano dos pavimentos vinculados aos mesmos.
Acrescento que, neste modelo, os efeitos de elementos protendidos, retração e temperatura, que geram deformações e esforços nos pavimentos, são obtidos de forma mais consistente. Além disso, pilares, paredes que nascem sobre lajes e a rigidez das lajes, tanto no seu plano como fora dele, são considerados de forma mais adequada. Todas essas considerações ocasionam um aumento da rigidez da estrutura, fundamentalmente a lateral, diminuindo o efeito p-delta, o período e a amplitude das oscilações na análise dinâmica.
Eng.ª Micheli Mohr: De modo geral, quais as principais diferenças nos resultados da análise da estrutura, na prática, entre um modelo e outro?
Eng. Socrate Muñoz: O modelo de análise integrado é mais realista! Se compararmos os resultados entre o modelo integrado e o de grelha separado do pórtico, a análise integrada resulta em um modelo mais rígido em relação às cargas laterais, devido à interação das lajes com o pórtico e à rigidez dos elementos inclinados, como escadas e rampas. Isso faz com que os deslocamentos laterais, os efeitos p-delta e de desaprumo sejam menores.
A resposta dinâmica também apresenta diferenças entre os dois modelos, pois os períodos dos modos de vibração, as acelerações horizontais durante a ação do vento e os sismos (se existirem), são menores. A consideração e análises de deformações impostas no plano do pavimento, como as causadas pela variação de temperatura e retração e efeitos de protensão, são inviáveis em um modelo sem a unificação da grelha com o pórtico, sendo possível apenas realizar uma avaliação aproximada em estruturas regulares e simétricas. Paredes e pilares que nascem em lajes também não podem ser avaliados corretamente em um modelo de grelha + pórtico, devido a grelha possuir somente 3 graus de liberdade, sendo que o pilar possui 6 graus em cada extremo.
Eng.ª Micheli Mohr: E quanto aos efeitos térmicos, como eles agem sobre as estruturas?
Eng. Socrate Muñoz: Podemos identificar as seguintes fontes de entrada térmica nas estruturas: radiação solar, radiação de calor de onda longa e convecção. Estes efeitos térmicos produzem deformações axiais e de flexão nos elementos estruturais. Se a estrutura for isostática, os elementos podem deformar-se livremente e, portanto, não são gerados esforços internos nos elementos. Por outro lado, se a estrutura for hiperestática, além das deformações surgem forças internas que devem ser cuidadosamente avaliadas e consideradas no projeto, pois podem comprometer a resistência de alguns elementos, ou ainda provocar fissuração excessiva.
Eng.ª Micheli Mohr: E como os efeitos de temperatura e retração são considerados na análise da estrutura?
Eng. Socrate Muñoz: Estes efeitos são considerados como ações indiretas, que podem ser modeladas como uma deformação imposta, ou como uma carga equivalente. No caso da retração, ela pode ser transformada em uma variação de temperatura equivalente, e a partir disso pode ser usada a mesma formulação das ações de variação de temperatura. Tanto as variações de temperatura, como as de ações de retração podem ser consideradas com valores uniformes ou não uniformes nos elementos estruturais. A NBR 6118 especifica os valores destas ações no Brasil e como devem ser combinadas com outras cargas
Eng.ª Micheli Mohr: Pensando nisso, Socrate, quais são as principais diferenças entre os modelos que consideram, ou não, o aumento de temperatura?
Eng. Socrate Muñoz: O aumento de temperatura gera dilatações axiais e, no caso destas não serem uniformes, deformações de flexão. Em edifícios onde as variações de temperatura consideradas são uniformes em todos os elementos estruturais, o efeito mais notável ocorre nos pilares inferiores, de dentro para o exterior da edificação. Nas vigas e lajes dos pavimentos podem ocorrer deformações que, por estarem restringidas pelas armaduras de reforço e outros elementos, produzem fissuras que devem ser avaliadas. Se o efeito verificado é a insolação da cobertura, podem surgir esforços axiais e de flexão, deslocamentos da cobertura e dos pilares do último pavimento no sentido de dentro para fora. Nas duas situações, os pilares que mais se deslocam são os mais distantes do centro do edifício. Entretanto, esse comportamento pode ser alterado pela presença de elementos verticais muito rígidos, como pilares paredes ou núcleos de rigidez para elevadores ou escadas.
Nos modelos em que as variações térmicas não são consideradas, todas as situações citadas anteriormente são ignoradas e, portanto, não são levadas em consideração as forças internas provenientes dessas variações e os deslocamentos decorrentes desses efeitos.
Portanto, ignorar os efeitos térmicos pode afetar tanto aos elementos estruturais como os não estruturais, pois podem ocorrer deslocamentos e fissuras não previstos em projeto, comprometendo a estrutura em serviço.
Eng.ª Micheli Mohr: E com relação às diferenças entre modelos que consideram, ou não, o decréscimo de temperatura?
Eng. Socrate Muñoz: Se o aumento de temperatura gera dilatações, a diminuição produz o inverso (retração). No caso da variação não ser uniforme, são geradas ainda deformações de flexão. Variações uniformes apresentam efeitos mais notáveis nos pilares inferiores que se deslocam para o interior do edifício. Os deslocamentos maiores acontecem nos pilares mais distantes do centro do edifício mas, como já comentei, este comportamento pode ser afetado pela presença de elementos verticais de rigidez elevada. O efeito combinado da diminuição de temperatura com a retração é sempre mais desfavorável que o aumento da temperatura.
Mais Engenharia: Poderia resumir então, qual é o impacto da consideração dos efeitos de temperatura no dimensionamento das armaduras?
Eng. Socrate Muñoz: O maior impacto se dá nas armaduras dos pilares inferiores, pois nas vigas e lajes os esforços gerados pela variação de temperatura se dissipam devido à fissuração. De todo modo, observa-se um aumento na quantidade de armadura necessária em estruturas em que os efeitos térmicos são considerados, como podemos observar na imagem a seguir:
Eng.ª Micheli Mohr: Qual a relevância de pilares de grandes dimensões em estruturas que sofrem grandes variações térmicas?
Eng. Socrate Muñoz: A presença de elementos verticais de grandes dimensões, como pilares parede ou núcleos rígidos de caixas de elevadores ou escadas, constitui uma restrição para o livre deslocamento lateral dos pavimentos forçando-os a deslocar-se em todas as direções a partir da localização do elemento rígido. Estes elementos podem gerar concentrações de esforços e, como consequência, fissuras nas proximidades dos mesmos.
Eng.ª Micheli Mohr: Você acha mais adequado prever os efeitos de temperatura e retração na análise, ou prefere executar juntas de dilatação para absorver esses efeitos?
Eng. Socrate Muñoz: Cada caso deve ser avaliado cuidadosamente, pois nenhuma estrutura é igual e os efeitos da variação de temperatura e retração são diferentes em cada uma. As juntas de dilatação resolvem o problema da fissuração, mas geram outros problemas, tanto de construção como de manutenção. Muitas patologias que se apresentam nas estruturas são causadas pela presença destas juntas, por isso sempre que possível devem ser evitadas. Por outro lado, as cargas de temperatura e retração não são os únicos fatores que determinam sua utilização.
Eng.ª Micheli Mohr: É possível fazer análises tão refinadas manualmente? Que ferramenta você indicaria para desenvolver essas análises de forma adequada?
Eng. Socrate Muñoz: Em estruturas convencionais, simétricas e ondes estas ações sejam uniformes é possível considerar estes efeitos de forma global e aproximada por métodos manuais. No entanto, no caso de estruturas com geometrias complexas, com elementos de elevada rigidez, dispostos de forma assimétrica, onde existam elementos construídos em diferentes estágios de concretagem, ou com variações de temperatura e retração não uniformes, um cálculo manual destes efeitos é impraticável, e uma avaliação refinada dos mesmos só pode ser feita mediante a utilização de softwares especializados. No mercado existem um grande número de softwares que permitem realizar isso, como o Eberick e o SAP 2000, por exemplo.