Entre 1998 e 2000, estávamos trabalhando ao mesmo tempo na evolução do Eberick e na criação de um novo produto para projeto de instalações hidrossanitárias, o AltoQi Hydros. A adoção do sistema operacional Windows (na época, na versão Windows 98) tinha sido muito expressiva, validando a aposta que a empresa tinha feito em tirar as suas aplicações do ambiente MS-DOS. Na concorrência, a Autodesk havia recentemente lançado seu AutoCAD R14, a primeira versão mais estável em Windows, mas que ainda mantinha boa parte dos seus componentes usando interfaces DOS.
Como abordei no artigo anterior, o Hydros fazia tudo o que os concorrentes da época faziam, e muito mais. Os aspectos de inovação na nossa solução eram incontestáveis, mas, ainda assim, os primeiros resultados comerciais não foram tão bons como esperávamos.
Assim como olhamos para o mercado da construção civil para constatar que não bastavam bons projetos estruturais, mas investir na qualidade de projetos complementares, precisamos considerar a realidade de trabalho de quem criava estes projetos.
Uma grande parte dos projetistas que tentávamos alcançar elaborava não apenas projetos hidrossanitários, mas também elétricos. Como a nossa solução trazia uma proposta de CAD diferente, que era independente do AutoCAD, isso gerava uma curva de aprendizado que alguns clientes não queriam passar se fosse para atender apenas a um dos tipos de projeto.
Era necessário, portanto, criarmos uma solução equivalente para projeto de instalações elétricas.
Recebendo o desafio
Esta história começa de forma bem similar à do Hydros: não tínhamos na equipe a expertise nesse tipo de projeto, que também era atendido no mercado por alguns aplicativos simples para AutoCAD, e fomos buscar a parceria de alguns projetistas locais para entendermos onde estavam as principais “dores” na automação desses projetos.
Destaco aqui a participação fundamental do Engº Leandro Machado Fernandes. Também trouxemos outro jovem engenheiro, chamado Francisco Gonçalves Jr, para se dedicar exclusivamente a essa nova linha.
Assim como tínhamos aproveitado a base de CAD do Eberick para criar a do Hydros, replicamos a do Hydros, com seus principais conceitos já estabelecidos, para esse novo produto. O ambiente de CAD integrado, independente de ferramentas externas, era um dos diferenciais da nossa solução, ao contrário do que acontecia com a maioria dos programas concorrentes, que eram aplicativos de produtividade executados sobre o AutoCAD.
Criamos os objetos inteligentes que agora representavam caixas (elementos pontuais) e eletrodutos (elementos lineares), também associados a um novo Cadastro de Peças que iria permitir, analogamente, que uma luminária lançada em planta não fosse apenas uma simbologia, mas contivesse a informação de cada um dos seus insumos associados e os dados para dimensionamento.
A “lista de materiais completa a um clique”, diferencial do Hydros, já seria um recurso base no novo produto.
Entendendo a “dor” real dos projetistas
No caso usual dos projetos elétricos, todavia, não se tinha o problema da planta geral com vários detalhes, que tinha sido o diferencial do Hydros. Poderia ocorrer em alguns projetos, mas normalmente existia apenas uma planta baixa do pavimento com todos os elementos.
A principal dificuldade estava na inclusão das informações elétricas propriamente ditas, que eram as indicações de circuitos e comandos em cada ponto e, principalmente, a fiação que precisava ser passada em cada trecho para atender a esses pontos.
Esse foi um caso em que recebemos do mercado a famosa demanda por um “cavalo mais rápido”. Os aplicativos para AutoCAD traziam essas simbologias pré-cadastradas e permitiam ao usuário inseri-las no desenho, mas a cada ponto o usuário precisava inserir as informações de circuito e comando.
Em cada trecho de eletroduto, o usuário precisava fornecer todas as informações dos fios que passavam dentro dele (tipo, seção, circuito etc.) para que esses aplicativos fizessem a representação no desenho.
A solicitação dos usuários da época era “Vocês podem fazer algo para que a gente informe os dados de fiação de um circuito apenas uma vez e então selecione os trechos nos quais eles devem ser inseridos, ao invés de fazermos sempre um por um?”
Criando uma inovação disruptiva
Analisando a necessidade em si, ao invés de nos limitarmos exatamente ao que estava sendo pedido, foi possível fazer algo muito melhor do que isso. Nos aprofundando em como o projetista definia a fiação do circuito e por onde ela tinha que passar, foi possível enxergar que existia uma lógica bem definida.
Por exemplo, era necessário passar um fio Fase do quadro até o interruptor de um circuito de alimentação, um fio Retorno desse interruptor a cada uma das lâmpadas que ele controlava e depois um fio Neutro de cada lâmpada de volta até o quadro. Cada trecho desses de fiação devia passar pelos eletrodutos que ligavam os pontos em questão.
Utilizamos algoritmos que analisavam a conectividade entre os elementos e encontravam os caminhos entre os pontos automaticamente, de forma similar ao que tínhamos feito no Hydros para calcular a pressão hidráulica em qualquer ponto da tubulação apenas com base nos lançamentos.
A funcionalidade foi aplicada em objetos inteligentes que representavam o projeto elétrico executarem a operação que era feita manualmente, identificando o caminho de eletrodutos entre dois pontos de interesse e passando automaticamente a fiação que atendia aos critérios padrões de projeto.
Cerca de um ano depois do lançamento do Hydros, lançamos em 2001 o AltoQi Lumine, que iria revolucionar o mercado de ferramentas para projeto de instalações elétricas.
Efeito da nossa solução no mercado
Na época, eu ainda fazia pessoalmente apresentações dos nossos produtos em alguns eventos. Todas eram apresentações de sucesso, mas as do Lumine tinham algo a mais.
Fazíamos o lançamento de uma planta inteira do zero, pois as ferramentas de criação de pontos e eletrodutos eram muito rápidas e a definição dos circuitos e comandos que associavam esses pontos também.
Feito isso, o momento “Agora, eu vou passar a fiação” acontecia com um único clique e todo o projeto aparecia pronto. Mais do que um “Uau!”, o “Gasp!” do público era audível. Não existia nada remotamente parecido no mercado.
Assim como tínhamos feito para passar a fiação, os objetos inteligentes traziam a informação de potência em cada ponto e o programa conseguia calcular sozinho o comprimento entre cada ponto, gerando automaticamente o dimensionamento de todos os circuitos.
Na demonstração, era apenas “Agora, eu vou dimensionar os circuitos” e, com um único clique, todas as seções estavam calculadas e a indicação dessa seção (se os fios eram de 1.5 mm², 2.5 mm² etc.) tinha sido atualizada em cada trecho da fiação.
Um procedimento que custava horas nas ferramentas existentes e estava muito sujeito a erros ficava pronto em segundos.
Se um ponto do projeto fosse incluído ou alterado, bastava mandar recalcular a fiação e o dimensionamento e todo o projeto estava ajustado novamente, sem erros.
Essa geração automática da fiação e dimensionamento dos circuitos diretamente com base nos elementos lançados em projeto é algo que levou muitos anos para ser copiado pelo mercado. Mesmo hoje, algumas décadas depois, não é algo bem resolvido na ferramenta BIM que é nossa concorrente.
A apresentação não parava ali. Com mais um clique, era inserido na planta um diagrama unifilar dos circuitos, que continham todos os dados necessários para o envio à obra, incluindo o dimensionamento dos dispositivos de proteção (disjuntores), que também tinha sido feito automaticamente.
Entre os comentários que ouvíamos da plateia nessa parte, era comum “Nossa, o meu único trabalho no escritório é desenhar esses diagramas...”
Com o Lumine, era possível emitir, a qualquer instante, uma lista de materiais do projeto inteiro ou do pavimento corrente. Não era necessário gerenciar arquivos externos nem se preocupar se o mesmo elemento foi listado duas vezes, uma tarefa comum para os projetistas da época.
O programa contabilizava, inclusive, os comprimentos verticais referentes ao desnível dos eletrodutos e as curvas e emendas necessárias para isso. Uma legenda automática também reproduzia graficamente uma lista de todas as simbologias diferentes utilizadas pelos elementos contidos na janela, gerando um desenho completo para a obra.
Posicionamento no mercado de software para projeto
Criamos muitos produtos de sucesso ao longo dos anos, mas, ao falar de inovação, é difícil não citar o AltoQi Lumine como um dos expoentes na nossa história. Com ele, a AltoQi se posicionou efetivamente no mercado de forma mais ampla como uma fornecedora de soluções para projeto, rompendo o seu nicho inicial que estava limitado ao projeto estrutural.
Nos anos seguintes, tivemos o desafio de continuar evoluindo os nossos produtos, agora em três frentes distintas ao mesmo tempo. A cada versão, tínhamos que lançar novas soluções ao mesmo tempo em que mantínhamos funcionando a base já substancial que tínhamos criado. As dificuldades inerentes a esse crescimento e as ações que tivemos que adotar serão o tema do próximo artigo.