No primeiro artigo desta série, contei como participei da criação do AltoQi Eberick, o software que tornou acessível o uso de ferramentas para projetos estruturais no Brasil e foi fundamental para levar a AltoQi a evoluir de uma pequena empresa de software em Florianópolis para tornar-se um dos expoentes da indústria de software no mundo.
O pioneirismo em soluções de projetos de edificações também foi marca registrada de um novo software que começou a ser pensado após o lançamento do Eberick. Nesta segunda parte, convido você a conhecer a história do AltoQi Hydros.
Nosso fundador, Rui Gonçalves, sempre foi um visionário. Por mais produtos e soluções que tenhamos criados ao longo desses anos, ele está sempre à nossa frente, trazendo a demanda de um futuro da Construção que ele enxerga melhor do que ninguém.
Por volta de 1998, quando tínhamos conseguido lançar uma versão mais robusta do Eberick (o Eberick Master, já em 32 bits), ele percebeu que, com o tempo, iríamos alcançar ou mesmo superar a TQS no mercado de projeto estrutural, mas que isso não nos faria “ganhar o jogo”. Era preciso pensar de forma mais abrangente.
Ele identificou, na época, que o principal impacto dos projetos sobre a fase de construção das edificações não estava no projeto estrutural, que de forma geral era respeitado, mas na baixa qualidade dos projetos complementares.
Projetos de instalações mal concebidos, especialmente elétricos e hidrossanitários, geravam constante retrabalho durante a construção das edificações. Havia também uma quase impossibilidade de obtenção dos quantitativos adequados de materiais para essa fase de instalações.
Para entender melhor o motivo disso, precisamos analisar o que estava disponível no mercado nacional como ferramenta para elaboração de projetos de instalações.
A modernização do setor mal tinha saído do papel e a prancheta para o uso de ferramentas CAD 2D, que essencialmente eram apenas uma versão computacional desse mesmo conceito. O padrão “de facto” na época, que persiste até o dia de hoje em alguns nichos de mercado, era o AutoCAD, da empresa Autodesk.
O AutoCAD em si não era uma ferramenta de projeto, mas possuía uma linguagem de programação interna que podia ser usada para a criação de extensões. Isso foi utilizado por muitas empresas, especialmente na década 2000 – 2010, para criar os mais diferentes tipos de produtos que aproveitavam a base gráfica do AutoCAD e acrescentavam a ele funcionalidades específicas.
Dentre eles, existiam diversos produtos nacionais para projeto de instalações elétricas e hidrossanitárias com características similares: automatizar o desenho de elementos de projeto, fornecer algumas informações de dimensionamento sobre esses elementos e extrair quantitativos simples sobre esses desenhos.
O problema dessas ferramentas é que apenas automatizavam tarefas individuais, sem representar de forma integrada o projeto da edificação como um todo.
No caso das instalações hidrossanitárias, o projeto de uma edificação requer que sejam criadas as plantas com os encaminhamentos principais da tubulação no pavimento, mais plantas adicionais detalhadas de cada ambiente de interesse, como banheiros e cozinhas.
Embora toda a tubulação da edificação esteja interligada, sua representação precisa ser feita em diferentes desenhos e as ferramentas baseadas no AutoCAD conseguiam lidar apenas com um desenho por vez.
Como alguns trechos de tubulação eram representados tanto na planta principal como nos detalhes, a extração de quantitativos que eles faziam duplicava esses elementos e comprometia a confiabilidade do trabalho. Nenhum dimensionamento da tubulação era feito além de aspectos locais de cada desenho.
Esse foi o desafio que recebi em 1998: se tínhamos conseguido criar um software integrado para projeto estrutural, com seu ambiente de CAD próprio e que englobava todos os elementos do projeto, poderíamos conseguir o mesmo na área de projeto hidrossanitário?
Não tínhamos ninguém na equipe com expertise nesse tipo de projeto. A minha área de especialização tinha sido Projeto Estrutural. Conseguimos viabilizar esse projeto através de uma parceria com um escritório de projetos, a Hidrosane Engenharia, que nos apoiou tanto financeiramente como no conhecimento sobre projeto de instalações, trazido principalmente pela Engª Ane Denise de Maldonado. Ao longo do projeto, nossa equipe também se reforçou nessa área com a contratação de mais um jovem engenheiro, chamado Julian Silva.
Diferente do Eberick, onde nosso desafio era criar um produto que pudesse nos manter posicionados em um mercado que contava com concorrentes mais completos, em projetos de instalações tínhamos a oportunidade de conceber um produto que já poderia sair à frente dos seus concorrentes.
Tínhamos que superar um desafio bem identificado: a falta de integração entre os diferentes desenhos gerados pelo projeto de instalações. E muito espaço para inovar!
Começamos por estabelecer que, enquanto empresa, iríamos trazer ao mercado uma proposta que fosse independente da Autodesk. Decidimos usar o ambiente de CAD próprio que havíamos desenvolvido para o Eberick, criando uma versão dele com capacidades adicionais para esse tipo de projeto, como o trabalho em base isométrica.
Dentro dele, não queríamos nos limitar a elementos de desenho simples, como no AutoCAD, mas sim criar objetos inteligentes que representavam tubos (elementos lineares) e conexões (elementos pontuais). Independente se representados em planta ou em um detalhe isométrico, cada um desses elementos tinha a sua posição real em 3D.
Ao invés de desenhos separados, criamos o conceito de “detalhes” sobre a planta, que eram ambientes de edição especializados para a geração de detalhamentos hidráulicos ou sanitários, mas que funcionavam como “recortes” da tubulação que existia na planta.
Na nossa solução, ao alterar um conduto em um detalhe, o elemento correspondente era automaticamente atualizado também na planta baixa, o que simplesmente não ocorria nos concorrentes baseados no AutoCAD.
Podia ser gerado um novo detalhe sobre a mesma posição da planta, mas a partir de um ponto de visão diferente, sem perder ou duplicar nenhum lançamento, pois o modelo da tubulação existia de forma integrada em 3D.
Além da dificuldade de consolidar informações que estavam em desenhos CAD separados, outra deficiência da época para a geração dos quantitativos era a falta de uma série de itens que são usados durante a execução da obra.
Por exemplo, ao lançar em um detalhe hidráulico a representação de um “registro de gaveta ¾’”, alguns desses softwares geravam uma lista simplificada que continha esse registro, mas falhavam em considerar que, para a construção desse item na obra, eram necessários outros itens, como roscas e fitas, que não eram representadas em projeto e, portanto, não apareciam nas listas de materiais.
Resolvemos esse problema criando um Cadastro de Peças próprio, que agrupava informações da simbologia de representação do elemento com suas informações para dimensionamento e a lista de insumos que seria necessária para construí-lo.
Com isso, ao lançar uma peça dessas no projeto, não tínhamos apenas um desenho, mas sim um objeto inteligente que agregava informações gráficas, de dimensionamento e de materiais. Novamente, um prenúncio para o que viria a ser chamado no mercado de BIM.
O conjunto dessas duas características era o que dava ao nosso produto, lançado como AltoQi Hydros, o seu principal “efeito UAU”.
Além de permitir todo o lançamento do projeto e a criação de detalhes hidráulicos e sanitários da mesma forma como era feito nos aplicativos para AutoCAD, o projetista podia, com um único clique, obter a lista de materiais completa da sua edificação, sabendo que ela somava todas as plantas e detalhes sem duplicar nenhum elemento e ainda que considerava mesmo os itens auxiliares não modelados diretamente, mas cadastrados na Peça. Com isso, aquele problema de confiabilidade na extração de quantitativos tinha sido resolvido.
A obtenção rápida e exata dos quantitativos era o principal diferencial, visto que é um tema central na indústria até hoje. Não por acaso, segue como foco da AltoQi em 2024, com a sua nova Plataforma Visus. Mas esse não era o único diferencial. Para os projetistas mais exigentes, o AltoQi Hydros também trazia um novo patamar para o dimensionamento das tubulações.
Os aplicativos para AutoCAD traziam alguns recursos para dimensionar a tubulação dentro de um detalhe, com base nos aparelhos lançados dentro desses mesmos detalhes, mas pouco além disso. Os encaminhamentos principais de tubulação da planta, que alimentavam diferentes detalhes ou mesmo diferentes pavimentos, precisavam ser dimensionados manualmente à parte.
O Hydros, já naquela época, era completamente diferente. Como toda a tubulação fazia parte do mesmo modelo em 3D, o programa conseguia capturar automaticamente todos os dados para dimensionamento, de cada trecho de tubulação do projeto, independente do detalhe ou do pavimento em que tivesse sido lançado, apenas percorrendo os elementos lançados pelo projetista.
O usuário se preocupava apenas com a modelagem e o programa fazia o restante, calculando a vazão resultante em todos os trechos da tubulação com um único clique.
Uma vez que tínhamos a vazão em cada trecho da tubulação e todo o encaminhamento dela em 3D, conseguimos outro resultado revolucionário para a época: só com base na modelagem efetuada, o usuário poderia escolher um ponto qualquer da sua tubulação (por exemplo, um chuveiro) e o Hydros conseguia:
Esse foi um exemplo de inovação disruptiva que levou anos até conseguir ser copiada por algum dos nossos produtos concorrentes.
A primeira versão do Hydros foi lançada no final de 1999, já com todas essas características inovadoras. Com base no feedback dos primeiros clientes, fizemos ajustes importantes e rapidamente lançamos a versão AltoQi Hydros 2000, um produto que entrou muito forte no mercado e abriu uma nova fase na história da AltoQi.
Dois anos depois, lançamos o AltoQi Hydros 2002, contando com uma interface renovada, ambiente de Visão 3D similar ao do Eberick e recursos fundamentais como a geração de cortes e esquemas verticais.
Em 2004, lançamos a sua última versão, o icônico AltoQi Hydros V4, que estendia seu escopo ao projeto de instalações de gás predial e de combate a incêndio, entre outros recursos.
Essa versão V4 tem até hoje uma base fiel de usuários, mas, para que isso acontecesse, foi necessário primeiro atender à demanda por uma solução similar para projeto de instalações elétricas. Essa é a história que vou contar no próximo artigo.
Confira abaixo um vídeo demonstrativo da primeira versão do Hydros, em que apresentamos alguns dos principais recursos do software.