Falar que um profissional da área de cálculo estrutural enfrentará entraves e possíveis dificuldades ao elaborar um projeto é falar mais do mesmo. Aliás, seria realmente incomum se durante toda a etapa de elaboração o profissional calculista não encontrasse pelo menos um ponto de conflito ou aquela situação que gera mais trabalho e por vezes necessidade de pesquisa para ser resolvida durante o projeto.
Em um projeto que utiliza a alvenaria como sistema estrutural a situação não diverge, mas é possível mapear os principais momentos de decisão ou que geram mais trabalho na hora de projetar, para chegarmos mais rapidamente a uma solução adequada.
Analisando em uma visão macro, a alvenaria como sistema estrutural possui três momentos característicos que exigem do projetista uma tomada de decisão e ações que definem o andamento e progresso do projeto utiliza a alvenaria como sistema estrutural.
Importante frisar que abordaremos de forma resumida os momentos de um projeto de alvenaria estrutural, uma vez que seria impraticável em apenas um artigo falar, mesmo que rapidamente, sobre todo os pontos de um projeto. Para isso, vamos considerar que você já colheu todas as informações prévias para elaboração do projeto e está alinhado com as normas, conforme sugerimos em nosso último artigo.
Antes de começarmos, quero lembrar que para uma ampla melhoria em um projeto, seja de alvenaria estrutural ou concreto armado, o caminho mais eficiente é a interação entre todos os participantes do trabalho, ou seja, responsáveis pelos projetos arquitetônico, elétrico, hidráulico-sanitário, mecânico, construtores e etc..
Para projetar em alvenaria estrutural, todo a edificação deve ser pensada para alvenaria estrutural. Em um primeiro momento, a frase de essência do primeiro estágio de um projeto de alvenaria estrutural pode parecer óbvia, mas é fundamental para que o projeto resulte em economia, permita a compatibilização e seja vantajoso para o contratante
Portanto, avaliar todos os limitadores para o uso da alvenaria como solução estrutural é uma premissa básica para que esse método seja eficiente. Isso significa que quando uma edificação possuir pavimentos com uma posição assimétrica das paredes em planta e desalinhamento vertical, ou seja, que não mantenham a projeção das paredes nos diferentes pavimentos exigindo pilares ou vigas de transição ao longo dos pavimentos de alvenaria para garantir sua sustentação, a solução de alvenaria estrutural provavelmente não será compensatória.
Para criar uma edificação com maior economia, algumas dicas podem ser consideradas: como atentar-se para os locais com “áreas molhadas”, especialmente banheiros e cozinha, que devem ficar preferencialmente agrupadas, diminuindo o número de paredes hidráulicas e de shafts de descida para as tubulações, uma vez que não se faz “rasgos” horizontais nas paredes estruturais para embutir tubulação. Locais de recreação, como piscinas e salões de festas devem preferencialmente ser dispostos nos pavimentos Térreos. Além disso, é de suma importância estarem arquitetonicamente bem projetados a fim de evitar estruturas de transição complexas, buscando-se adequadas as modulações dos pavimentos tipos acima.
Portanto, o projeto arquitetônico deve ter como base conceitos de padronização, coordenação modular e organização da produção. Uma dica é estudar a NBR 15873:2010 Coordenação modular para edificações, onde se definem conceitos importantes para medidas básicas de projeto e os princípios da coordenação modular para edificações. Um exemplo simples de sua aplicação será na determinação do tamanho das paredes, sejam as medidas em planta ou da modulação vertical, onde, por exemplo, o pé-direito da edificação deve ser pensado de modo que se permita o encaixe adequado da laje nos blocos padronizados. Outra aplicação simples, porém importante, trata-se da definição do tamanho das aberturas de portas e janelas, onde se devem buscar dimensões adequadas evitando-se a quebra dos blocos que gera desperdício de material e mão de obra.
Outro importante pensamento é ter em mente que a alvenaria como sistema estrutural é de grande eficiência à compressão e pouca eficiência à tração, portanto projetos de edifícios muito elevados, com alta influência das ações de ventos, que exigem um sistema de armaduras para assegurar a estabilidade do edifício, a alvenaria estrutural pode não ser o método mais economicamente viável para sua solução.
Mas em edificações com paredes simétricas de médio porte, a alvenaria como sistema estrutural pode ser mais econômica e possui execução mais rápida se comparada a utilização do concreto armado, por exemplo.
Um dos benefícios à economia é conseguida pela baixa quantidade de insumos e mão de obra necessária para a execução, devido aos blocos serem pré fabricados e não demandarem tempo de cura ou formas para moldagem durante a obra.
O canteiro de construção também fica mais saneado, uma vez que uma de suas funções se torna a estocagem dos materiais, sem necessidade de produzir muitos materiais in loco por exemplo. Os blocos pré-moldados trazem certa velocidade na construção da obra, considerando-se que o projeto já indica o posicionamento dos blocos em cada fiada bem como as respectivas formas de amarrações entre as paredes.
Com o 1° estágio superado, o próximo estágio a ser superado está na parte de modulação (posicionamento dos blocos), paginação das paredes e compatibilização de projetos. Apesar de não exigir soluções tecnicamente muito complexas, certamente é um dos pontos que mais geram trabalhos em um projeto que usa alvenaria como sistema estrutural e que podem onerar a obra caso não seja bem planejado.
Importante frisar que uma das limitações da alvenaria estrutural é justamente a impossibilidade da remoção ou corte posteriores de paredes estruturais. As passagens de tubulações hidráulica, sanitária e do sistema elétrico deve ser previamente previsto e, em parte, ocorre simultaneamente ao levantamento das paredes.
Portanto o projetista deve dispor de shafts, considerar espaços para passagens de tubulações e, se for o caso, prever paredes que podem ser usadas somente como vedação onde se permite embutimento de tubulações. Uma dica é trocar informações com os demais projetistas, evitando retrabalhos e solucionando problemas de compatibilização antes da obra. As dimensões de aberturas – como porta e janelas – também devem ser devidamente compatibilizadas, a fim de evitar a “quebra” de blocos ou uso de “ajustes”. Embora simples, desprezar estas importantes informações tornará a modulação mais difícil de resolver no projeto, gerará maior custo de materiais e ainda, fará com que a execução da obra seja mais lenta, ou seja, perdem-se exatamente as vantagens do uso deste sistema estrutural.
Outro ponto que certamente demanda muito trabalho é justamente a definição da modulação das fiadas, incluindo-se os contrafiamentos das paredes e paginação. Nesta etapa, é preciso determinar posicionamento exato de cada bloco de uma parede, incluindo ao menos a primeira e a segunda fiada com os respectivos meios de amarração entre as paredes.
Neste momento se faz necessário incluir o conceito de “Família de blocos”, que é o conjunto de componentes da alvenaria que permite criar diversas soluções modulares como o adequado contrariamente entre os blocos da parede, soluções de amarração em regiões cruzamento de paredes bem como a ligação com os outros elementos construtivos como a laje que se apoiam no topo da parede.
Comumente utilizamos no Brasil as famílias 29 e 39, ou seja, blocos com comprimento de 29cm ou de 39cm e larguras de 14cm ou 19cm, resultando nas seguintes famílias usuais 14×29, 14×39 e 19×39 (usualmente os blocos possuem 19cm de altura). Para maiores informações das famílias de blocos normatizadas, consulte a NBR 6136:2016 e ABNT NBR 15812-1:2010 onde é possível encontrar requisitos para blocos de concreto e cerâmicos com função estrutural.
Aprender a utilizar cada bloco de uma família é um trabalho de extrema importância e se faz de maneira similar a um jogo de “lego” e, quando bem projetado trará significativa economia e segurança para a obra.
Nestas etapas de detalhamento, se faz necessário realizar a paginação de cada parede para representar a posição dos blocos em elevação (vista frontal da parede), quando existirem aberturas nas fiadas superiores, ainda é necessário inserir todos os detalhes necessários como vergas e contravergas para que se possa construir adequadamente a parede sem erros de entendimento no momento da execução, especialmente devido a baixa capacidade de improvisação que a alvenaria estrutural condiciona.
A etapa de modulação é muito importante, pois além determinar o posicionamento dos blocos que formam a parede, resultando também nos quantitativos destes materiais e devem orientar o profissional de execução de como a construção deve ser iniciada.
Ao todo, para superar esse estágio, onde o detalhamento se torna bastante repetitivo, o projetista pode levar semanas caso utilize um ambiente simples de CAD. Com processos automatizados, este tempo costuma ser reduzido para dias. Deve-se observar ainda que, com a necessidade de compatibilização com as demais disciplinas de projetos, por vezes se faz necessário revisar as modulações devido a alterações de projeto sendo necessário refazer o desenho das paredes, motivo pelo qual se justifica uma boa ferramenta para auxiliar nesta etapa do projeto.
Neste estágio, o projetista já definiu pela utilização da alvenaria como sistema estrutural e que se trata de um método viável para o empreendimento, já modulou e pré detalhou a estrutura, inclusive compatibilizando com os demais projetos, orientando de forma eficiente e clara como será a estrutura do edifício.
O próximo passo então é realizar o dimensionamento da alvenaria e da estrutura de fundação. Este é o estágio mais emblemático de um projeto que utilize a alvenaria como sistema estrutural, pois este conteúdo nem sempre é abordado nas faculdades, o que pode limitar a avaliação do calculista e por vezes, condicionar o uso do concreto armado como único método construtivo viável.
Reforçar as habilidades com cursos específicos de alvenaria estrutural e conversar com profissionais mais experientes podem ser excelentes opções para o projetista se sentir mais seguro na hora de dimensionar. Também existem no mercado ferramentas computacionais que auxiliam e facilitam o processo do projeto, permitindo, por exemplo, testar diversas soluções mais rapidamente até que se encontre as mais adequadas. Vale enfatizar que nenhum sistema, por mais avançado que seja, substitui o trabalho de um projetista, mas seguramente são facilitadoras de todo o processo.
O projetista que irá usar a alvenaria como sistema estrutural precisa considerar as seguintes premissas básicas de dimensionamento:
Assim, listamos três etapas importantes em um projeto que utiliza a alvenaria como sistema estrutural:
Para dar continuidade nesse assunto, em nosso próximo artigo daremos dicas para você prosperar em projetos de alvenaria estrutural.