Quando encerrei a parte anterior desta série, o QiBuilder havia finalmente superado uma das maiores limitações técnicas que enfrentamos desde seu nascimento: a arquitetura de 32 bits. Com o lançamento da versão 2018, deixávamos para trás os crashes causados por falta de memória e abríamos espaço para projetos mais complexos e integrados. Todavia, como acontece com frequência no desenvolvimento de produtos de alta longevidade, o cenário do mercado mudava novamente e teríamos que nos adaptar a ele.
Hoje, o AltoQi Builder é a principal ferramenta BIM para projeto de instalações no mercado nacional, recentemente reconhecida na EXPOELÉTRICA (SP) com o Prêmio Potência de Inovação Tecnológica 2025, mas esse caminho em direção ao BIM foi cheio de desafios. Enquanto o artigo ‘AltoQi Builder: O melhor software de projetos em BIM’ apresenta o resultado dessa trajetória, este artigo é sobre esses desafios e as estratégias que adotamos para superá-los.
Vendo o mercado se dirigir para a modelagem 3D
Nessa época, o Builder já trazia em sua proposta o fundamento principal do BIM, que é a aplicação de objetos “inteligentes” contendo propriedades de projeto ao invés de simples representações gráficas. Cada elemento de projeto do Builder tinha o seu posicionamento completo em 3D, mas usando uma representação visual simplificada, como era o padrão nos projetos de instalações até então.

Detalhamento unifilar no QiBuilder 2018
O Builder era uma ferramenta de projeto, focada na produtividade e integração entre o lançamento gráfico e o dimensionamento dos elementos, e não uma simples ferramenta de desenho.
Ainda assim, um novo paradigma de apresentação para os projetos começou a ser estabelecido no mercado, puxado pelo Autodesk Revit, uma ferramenta de modelagem que podia ser usada para projeto de instalações e gerar resultados visualmente diferenciados, mesmo que sem a produtividade de uma ferramenta de projeto.

Detalhamento 3D apresentado pela concorrência
Embora o conceito BIM já fosse conhecido, seu impacto real sobre o mercado brasileiro começou a se consolidar a partir dessa época e começou a ser confundido, erroneamente, com esse aspecto mais visual dos projetos.
O Builder, que se destacava na produtividade de projetos hidrossanitários, elétricos e preventivos, precisava continuar evoluindo para que pudesse se posicionar como solução BIM de fato.
A jornada para levar o padrão dos detalhamentos do Builder (Figura 1) ao nível que a concorrência tinha estabelecido (Figura 2) foi longa e desafiadora, mas culminou em uma ferramenta de projeto capaz de modelagem 3D completa, à frente de qualquer outro produto no mercado.
Ressignificando o núcleo 3D do Builder
Foi nesse período que consolidamos algumas decisões arquitetônicas fundamentais. Uma delas foi a separação do núcleo 3D da aplicação, isolando o que chamamos de Engine3D.
Mais do que uma decisão técnica, esse movimento visava garantir que a interoperabilidade BIM pudesse evoluir de forma integrada tanto no Builder como no Eberick (nossa ferramenta para projetos estruturais, também líder de mercado).
Esse modelo de objetos comum foi criado com a proposta OpenBIM, tendo sido a AltoQi a empresa que realmente impulsionou o uso do padrão IFC nos projetos no Brasil.
Inicialmente, a exportação no formato IFC visava a compatibilidade apenas do modelo com plataformas como Tekla, Navisworks, Trimble Connect, Allplan e outras, mas logo avançamos para uma exportação mais rica, que incluía os Property Sets — conjuntos de atributos técnicos associados a cada peça do projeto, fundamentais para a integração com outras disciplinas no fluxo BIM.
Nesse novo núcleo 3D, o primeiro passo foi criar o conceito de simbologia 3D, uma representação adicional para os elementos de projeto do Builder que podia ser associado às peças relevantes no Cadastro.

Cadastro de simbologias 3D
Com a aplicação dessas novas simbologias, o ambiente de Visão 3D do Builder, que já existia desde as primeiras versões, mas não era muito explorado, começou a apresentar os primeiros resultados visualmente mais ricos e impactantes.

Visão 3D de um detalhe no Builder
Usando a modelagem 3D de forma inteligente
Embora o detalhamento final do projeto ainda fosse o unifilar apresentado na Figura 1, a Versão 2019 do Builder trazia o foco para as aplicações práticas do 3D no BIM. Com a importação dos modelos externos no formato IFC, um novo módulo de verificação de colisões conseguia detectar automaticamente e indicar as posições de conflito entre os elementos das diferentes disciplinas.

Colisão detectada entre tubulação e viga gerando uma nota BCF
Cada colisão gerava automaticamente uma “nota” de problema no projeto que poderia ser compartilhada com os demais projetistas usando o padrão BCF (BIM Collaboration Format), também alinhado ao conceito OpenBIM.
Para realmente atender a esse fluxo de compatibilização dos projetos, ficou claro que adotar o BIM no projeto de instalações era muito mais do que fazer representações bem detalhadas. No projeto de instalações sanitárias, que tradicionalmente sempre foi feito em 2D, a declividade da tubulação é fundamental, mas era apenas indicada no desenho e os elementos em 3D ficavam todos no mesmo plano. Com isso, erro em todas as verificações de colisão – a tubulação sanitária ficava inteira colidindo com as lajes ou com as vigas, totalmente diferente do que tinha que ser feito na obra.
Usando a ferramenta de modelagem 3D que era nossa concorrente, os projetistas podiam criar a representação correta em 3D, mas uma a uma e de forma muito trabalhosa. Como o nosso foco sempre foi produtividade, precisávamos resolver esse problema de uma forma melhor. Decidimos manter o lançamento em planta, onde é realmente eficiente para definir os traçados, e criar um comando que atribuía automaticamente em 3D toda a declividade da tubulação.

Comando "Aplicar inclinação"
Outros recursos desenvolvidos nessa época, com o foco de dar ganhos reais de produtividade aos nossos clientes a partir do posicionamento 3D dos elementos foram a geração automática de furos nas vigas a partir da colisão com a tubulação (no AltoQi Eberick) e o desvio automático entre eletrodutos flexíveis (no AltoQi Builder).

Geração automática de furos nas vigas

Desvio automático entre eletrodutos flexíveis
Levando a representação 3D para o detalhamento final
Até esse ponto, o Builder já tinha evoluído muito na sua representação 3D do projeto e criado as ferramentas de colaboração que trabalhavam diretamente sobre esse ambiente, mas o detalhamento final gerado pelo usuário ainda era o unifilar.
Assim como no caso da inclinação das tubulações, precisávamos de uma solução prática que não nos obrigasse a refazer o software do zero.
Nossa abordagem foi a de manter o lançamento unifilar, mas converter a representação 3D em uma versão vetorizada que substituía o unifilar apenas na geração das pranchas finais.
Chamamos esse recurso, liberado na Versão 2020, de detalhamento bifilar.

Detalhamento bifilar de uma instalação hidráulica
Essa entrega colocou de volta o Builder na competição com as ferramentas que apostavam na modelagem 3D como centro da sua proposta.
Uma outra aplicação dessa tecnologia foi o recurso de planos de corte, que consegue gerar uma representação vetorial precisa de uma seção do modelo arquitetônico importado em formato IFC, criando as linhas correspondentes no ambiente CAD para apoio ao lançamento da tubulação e eliminando a dependência da importação dessas plantas no formato DWG/DXF.

Geração de planos de corte sobre modelos 3D externos
Esses recursos representaram um salto não apenas tecnológico, mas de posicionamento de mercado. Permitiram que escritórios de projeto adotassem o Builder como peça-chave em seus fluxos BIM, integrando-se a arquiteturas federadas de modelos.
Rompendo a limitação do modelo unifilar
A interoperabilidade BIM via modelos IFC e a capacidade de gerar detalhamentos finais que refletiam a modelagem 3D eram os principais aspectos que tiveram que ser desenvolvidos para posicionar o Builder como uma ferramenta BIM, mas isso ainda não se aplicava a todas as situações de projeto.
Mesmo usando as simbologias 3D, elas eram apenas uma representação refinada para uma conexão ainda definida através de um único ponto no espaço.
Visualmente os elementos apresentam volume, mas internamente o modelo permanecia sendo unifilar. Nos casos em que a intersecção entre os eixos da tubulação não se encontrasse no mesmo ponto, o Builder não conseguia resolver essa modelagem.

Representação existente x correta de uma caixa de passagem
A partir da Versão 2020, o conceito da conexão volumétrica entre peças transformou a lógica de lançamento.
Ao permitir que conexões ocorressem em qualquer ponto do volume das peças, não apenas em pontos pré-definidos, passamos a oferecer maior liberdade de modelagem tridimensional.
Isso permitiu a representação mais adequada de elementos de grande porte, como reservatórios, aquecedores e caixas de passagem (ou seja, os elementos que eram prismáticos ou cilíndricos).
Na versão seguinte, foi criado um mecanismo ainda mais genérico, chamado de pontos de ligação 3D, baseado diretamente nas Simbologias 3D presentes no Cadastro de Peças, que passou a permitir que uma conexão pudesse ser definida como um conjunto qualquer ligações.

Pontos de ligação 3D
Com esse recurso, mais a possibilidade de modelagem em corte, o Builder passou a oferecer uma experiência que continuava tendo seus diferenciais de produtividade, mas que agora conseguia resolver todos os detalhes que antes eram possíveis apenas nas ferramentas de modelagem BIM consagradas.

Modelagem em corte
Chegando à representação visual definitiva
Além de se posicionar de forma definitiva como ferramenta de modelagem BIM, continuamos avançando, versão a versão, para cobrir as diferentes disciplinas que compõem o projeto de uma edificação.
Os módulos de Climatização, PPCI, SPDA Estrutural e Fotovoltaico expandiram ainda mais o campo de atuação do Builder. Essa história mais completa pode ser lida no artigo AltoQi Builder: Uma trajetória construindo soluções e formando equipes.
Ainda assim, na geração dos detalhamentos finais, a representação bifilar resolvia bem o problema, mas não era visualmente tão refinada como a das ferramentas concorrentes.
Por isso, continuamos investindo em uma nova abordagem, que passava a combinar a renderização do 3D com o posicionamento dos detalhes nas pranchas para gerar uma representação realista com exatamente o mesmo nível de qualidade da Visão 3D.
A partir da Versão 2024, o Builder passou a gerar detalhamentos finais com um nível de qualidade que finalmente superou de forma significativa aquele desafio que tínhamos encarado anos atrás.

Prancha completa gerada no AltoQi Builder.
Hoje, os detalhamentos finais gerados no Builder são tão bons ou melhores do que os obtidos nas principais ferramentas de modelagem 3D do mundo, mas com o diferencial de produtividade em projeto que sempre foi característica da AltoQi.
Agora, também lançando no ambiente 3D
Embora o ambiente de lançamento baseado em croquis do Builder seja imbatível em termos de produtividade, em alguns cenários específicos o lançamento direto no 3D é mais vantajoso.
Isso ocorre principalmente na definição de pequenos desvios ou manipulações necessárias para solução de problemas de compatibilização entre projetos.
O ambiente 3D do Builder começou tendo apenas a função de visualização, mas gradativamente fomos incluindo nele capacidades específicas para executar algumas operações.
Isso vem desde a Versão 2020, quando criamos a possibilidade de editar propriedades dos elementos diretamente no 3D.

Edição de propriedades no 3D.
Nas versões seguintes, outras operações de edição, como definir peças, dimensionar condutos e as propriedades personalizadas, também foram levadas ao ambiente 3D, mas ainda sem permitir criar ou remover elementos.
Isso mudou com o AltoQi Builder 2025, nossa primeira versão que permite o lançamento de condutos diretamente no 3D, facilitando o lançamento e a compatibilização de projetos.
É possível lançar condutos, ajustar planos de lançamento, e utilizar novas capturas personalizadas para maior precisão.

Lançamento de um conduto no 3D.
No momento da elaboração deste artigo, esse é um trabalho em andamento.
A cada atualização do programa, estamos incluindo novas capacidades ao ambiente 3D do Builder. Começamos com o lançamento dos condutos, passamos para a operação de exclusão e o lançamento de conexões.
Em seguida, iremos para a movimentação de conexões. Nosso objetivo, ao menos por ora, não é transferir todo o lançamento para o ambiente 3D do Builder.
Isso não seria produtivo como é hoje o lançamento baseado em croquis. O que estamos fazendo é avaliar, de forma inteligente, quais as operações que agregam mais valor na prática de projetos reais e acrescentar pontualmente capacidades projetadas especificamente para atender a essas necessidades.
Construindo o ambiente BIM nacional
O desafio de implantar BIM no Brasil nunca foi apenas técnico. Além das ferramentas, era necessário educar o mercado, quebrar paradigmas e mostrar que era possível obter ganhos reais de produtividade e qualidade com essa nova abordagem.
Fizemos questão de manter o croqui como uma ferramenta intuitiva, mesmo ao incorporar conceitos complexos como a representação realista em 3D e a visualização integrada com modelos arquitetônicos externos.
Para mim, esse período representou mais do que um ciclo técnico.
Foi a consolidação de uma visão construída ao longo de muitos anos. Ver o Builder se transformar em uma ferramenta reconhecida no ecossistema BIM nacional, após tantos desafios. Não apenas como líder técnico, mas como alguém que acredita no impacto positivo da Engenharia bem aplicada.
O AltoQi Builder não é apenas uma evolução do Hydros ou do Lumine, mas sim a concretização de uma proposta de valor mais ampla: permitir que projetistas brasileiros trabalhem com as melhores práticas do mundo, sem abrir mão da sua realidade e das normas nacionais.
A inovação não é uma fase, é uma cultura. É isso que o Builder representa hoje: a cultura de fazer melhor, com base, com propósito — e com criatividade.

